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A antropologia utópica de John Zerzan: o anarcoprimitivismo como saída para a crise ambiental
Rogério Bianchi Araújo

Última alteração: 2016-10-25

Resumo


Há algum tempo venho me dedicando aos Estudos sobre a Utopia. No momento faço uma análise de alguns pensamentos utópicos contemporâneos que se dedicam especialmente em encontrar alternativas à crise ambiental planetária contemporânea. Nesta comunicação pretendo refletir sobre a proposta do anarcoprimitivismo do filósofo e escritor americano John Zerzan. A teoria de Zerzan significa uma reformulação antropológica nas formas como o humano vive além de remeter às antigas discussões sobre a condição e natureza humana. Sua proposta básica é a destruição da sociedade tecnológica e o retorno às sociedades primitivas, anárquicas e ligadas à natureza.

Os anarcoprimitivistas recusam a associação desse pensamento e filosofia com qualquer outra ideologia. Sua essência é a busca de um modo de vida completamente livre em comunidades que tenham como princípio a harmonia uns com os outros e com a biosfera e com o intuito de abolir todas as relações de poder.

Muitos antropólogos admitem que a nossa natureza humana, há aproximadamente dois milhões de anos, antes de estarmos submetidos às estruturas hierárquicas de poder e dominação, era marcada sobretudo pelo ócio, pela intimidade com a natureza, pela sabedoria sensual, igualdade entre sexos e boa saúde corporal. Zerzan diz que a antiga tese que primava pela “ignorância” do primitivo foi renegada e agora passamos a contemplar as nossas origens sob perspectivas muito mais positivas. Ao invés da divisão social do trabalho, a partilha e a flexibilidade eram os elementos primordiais nas sociedades primitivas.

Embora seja considerado um dos pensadores mais radicais, suas teses são muito pertinentes para uma época em que a sociedade parece ter alcançado um falso apogeu com a abundância de objetos de consumo, informação e tecnologia.

Interpreto o pensamento radical de Zerzan como a de um utopista. É por isso mesmo que seu pensamento é provocativo e instigante porque nos incentiva a pensar outro mundo e outra realidade. Não se trata de análise conjunturais ou reflexões políticas de nossa época, mas sim de propostas efetivas que nos remetem ao não-lugar ou ao ainda-não, próprio do pensamento utópico.

A crítica de Zerzan é tão profunda que vai para além da sociedade industrial ou da agricultura. Para ele, a aceitação da cultura simbólica, da linguagem, da arte e do número, não é o apogeu do início da civilização, mas o início do declínio da humanidade, afinal a cultura, não é emancipadora, mas castradora, que impede e nos distancia da aceitação sensual da realidade e nos impossibilita de conhecermos a nós mesmos. A cultura simbólica tem no seu bojo a necessidade de transformar e dominar por isso abre o caminho à domesticação da natureza.

Ele se declara como um primitivista que pode ser considerado para além de um movimento político, como um movimento espiritual com uma abordagem altamente anti-industrial. Diante das crises que assolam o mundo, Zerzan acredita que o movimento primitivista tende a crescer cada vez mais.

Para esse autor, isso é uma necessidade diante das transformações negativas planetárias e do crescimento do cinismo em nossas sociedades. O uso absurdo de poluentes; o imperativo da tecnologia sem questionamento crítico; o aumento do número de casos de pacientes com câncer; o aumento do uso de drogas de qualquer tipo, principalmente a medicação da angústia, falsas espiritualidades que despejam vãs ilusões e não assumem a loucura de nossa época, mas antes se resignam perante os fatos; o aumento do fosso entre ricos e pobres pelo mundo; a mentira e a falsidade absurda das propagandas; o aumento da taxa de homicídios e de suicídio entre jovens. Esses e muitos outros apontamentos feitos por Zerzan são creditados ao que ele chama de época pós-moderna, centrada no consumo, na tecnologia e na influência do mass-media, a ponto da própria violência tornar-se parte da diversão ou da sociedade do espetáculo.

O pensamento anarcoprimtivista pode ser uma utopia, mas é esta que permite avançarmos rumo ao horizonte, não, exatamente, construir um mundo utópico. Estudar e pesquisar o pensamento anarcoprimtivista nos permite vislumbrar uma outra realidade completamente diferente e é essa a sua maior contribuição.


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